Opinião: 1984 (George Orwell)

1984 de George Orwell
Editora: Antígona (2007)
Formato: Capa mole | 314 páginas
Géneros: Distopia, Ficção científica
Sinopse.

Aviso: opinião meio desnorteada e provavelmente pouco popular
(A edição lida está em inglês mas apresentam-se os dados da portuguesa).

Quando terminei a leitura de “1984” de George Orwell, um livro que, devido ao meu gosto por distopias e ficção científica, já queria ler há algum tempo, tive bastante dificuldade em decidir como classificar a obra.

Acabei por não a classificar. Isto tem muito a ver com a forma como eu e muitas outras pessoas foram educadas; assim como os leitores (alguns deles) olham de lado para quem quase nunca pega num livro e os amantes de séries olham de lado para quem só vê novelas, quando alguém não gosta de um livro considerado pelos críticos como “um clássico”, esse alguém pode sofrer algumas represálias, especialmente se tiver o desplante de criticar o tal livro online. Mas, quando terminei esta obra de Orwell, sabia que tinha duas opções: fingir que tinha achado o livro muito bom, excelente, uma obra-prima e fazer parte desse grupo maioritário; ou ser sincera acerca do livro e das impressões que obtive do mesmo.

E decidi ser sincera. Apesar do que isso me possa custar (provavelmente estarei a fazer uma tempestade num copo de água, mas ei… that’s me).

Mil Novecentos e Oitenta e Quatro centra-se na personagem de Winston Smith, um homem com 39 anos, de fisionomia indeterminada, que vive, presumivelmente nas Ilhas Britânicas, no que se presume ser o ano de 1984.

A sociedade que Winston conhece tem (assustadoramente), algumas semelhanças com a nossa – no que diz respeito à falta de privacidade, ao papel dos meios de comunicação na formação das opiniões e posições sociais das pessoas, e como a propaganda, e aos meios através dos quais obtemos informações podem modelar a nossa realidade – mas que diverge dramaticamente noutras (pelo menos na minha opinião).
As Ilhas Britânicas foram incorporadas num território mais vasto, a Oceânia, em que impera um regime totalitário agressivo de, aparentemente, pendor comunista. Winston, que trabalha no Ministério da Verdade é um membro do partido e como todos os outros é ferozmente monitorizado, achincalhado e forçado a moldar-se conforme o Partido e o seu líder Grande Irmão (Big Brother) querem.

Isto pode parecer uma contradição, tendo em conta o meu discurso acima, mas gostei da premissa deste livro. Tendo em conta a época em que foi escrito e a mensagem que pretende transmitir, não é possível dizer que “1984” não é uma sátira política extremamente bem conseguida e delineada. Aliás, tão bem delineada é e tão influente é este livro, que muitas das expressões e ideias passaram a integrar o imaginário da nossa sociedade moderna. A que primeiro nos vêm à mente é, claro, a expressão “Big Brother” que é hoje sinónimo de espiolhanço, falta de privacidade e de violação das liberdades civis. E é também um programa de televisão onde observamos os movimentos de pessoas 24 horas por dia… o que é, no fundo, o conceito de fundo da sociedade Orwelliana. Controlo total sobre todos, sempre. O que é assustador e não deixa de ser algo muito possível de concretizar com os meios hoje ao nosso dispor, numa sociedade tão globalizada. Certamente que os governos atuais não o fazem da mesma forma do que o Grande Irmão, mas conseguem-no mesmo assim.

O mais assustador no meio disto tudo é mesmo a forma como é possível manipular a opinião pública e as pessoas através da educação e dos meios de comunicação. A parte em que Orwell descreve o proletariado como interessado apenas em coisas triviais e na lotaria, ao mesmo tempo que ignora a sua própria precariedade social, económica e intelectual, pareceu-me bastante familiar. Certamente que esta não é uma tática nova pois já os romanos utilizavam o “pão e circo” como dispositivo de controlo ideológico das massas; mas a facilidade com que se continua a fazer o mesmo atualmente, mesmo depois dos exemplos do passado, mesmo depois de “1984” é arrepiante.

Assim, este livro tem, certamente, alguma relevância histórica especialmente ao nível político: na altura em que o autor o escreveu (1947-1948) entrava-se na guerra fria e a sua óbvia sátira política integra-se bastante bem na época do pós 2ª guerra/guerra fria. Como crítica aos excessos em que podem cair os regimes (neste caso o socialista, aqui descrito na sua forma mais agressiva e antidemocrática), é um livro importante.

Mas, a nível literário este livro não é propriamente estimulante... é seco, algo chato, cinzento e com pouca vida. E quer esta paisagem desbotada seja ou não propositada (talvez para mostrar como um regime totalitário envenena a vida e a criatividade), torna o livro bastante difícil de ler.

E passamos agora à parte menos agradável. Este livro está escrito de uma forma muito pouco conducente a uma leitura sem percalços. Se até estava a gostar da prosa e de Winston nas primeiras 70 páginas, a partir daí, a escrita tornou-se tão absurdamente evangelizante e teórica que me pareceu que estava a ler um ensaio ou algo do género. O que não é, de todo, o que procuro numa obra de ficção e não era o que procurava em “1984!”.

Confesso, até, que quando Winston começou a ler partes do Livro de Goldstein, comecei eu a ler na diagonal. Porque, senhores, há pessoas que conseguem escrever ensaios, teses e teorias interessantes, mas na minha humilde opinião, Orwell não é uma delas. Foi um suplício para mim terminar este livro mas queria mesmo terminá-lo, porque as ideias são interessantes e algumas delas (não considero a sociedade atual particularmente Orwelliana, apesar de algumas semelhanças… mas alguns podem discordar ou achar que estou a viver numa fantasia) pertinentes. Mas a escrita dificultou mesmo a tarefa. Para mim este livro não está bem escrito porque um livro bem escrito, na minha opinião, é um livro que dá gosto ler, independentemente das ideias nele contidas… e independentemente de se tratar ou não de ficção.

No geral (porque já me estou a alongar), um livro que tem certamente características para ser um clássico porque é uma obra relevante, especialmente para o estudo da política na década de 50 do século XX. Como “aviso” para as gerações futuras, também considero que terá alguma relevância apesar de me parecer que Orwell não parece ter escrito “1984” com essa intenção específica (o regime representado não difere muito dos que já existiam na Europa na época… regimes totalitários, centrados no controlo, por todos os meios, dos seus cidadãos), mas no fundo, sei lá, porque não escrevi o livro. É apenas o que me parece.

O que retirei, sobretudo, deste livro foi que os seres humanos têm uma enorme capacidade de ir até ao extremo para conseguir aquilo que querem; neste caso, poder absoluto sobre a realidade, sobre a vida e sobre as perceções de multidões. E isso é verdadeiramente assustador.  

Mas como dizia, um livro que tem muitas das características de um clássico mas ao qual falta, ao contrário do Grande Irmão, carisma. E que não me convenceu, em termos de história e escrita.


Comentários

Anónimo disse…
Fico sempre surpreendida quando alguém não gosta de 1984 - ainda que tenha sido surpreendida poucas vezes, mas percebo que não seja livro para todos. Curiosamente, a tua crítica lembrou-me outra crítica que li no Goodreads e que acabei por parafrasear na minha própria crítica também no Goodreads, de que este não era o melhor trabalho de ficção, mas sim uma das melhores teses. Muita gente entende a grandeza do livro não propriamente pela escrita em si, porque acaba por entender aquilo quase como uma verdadeira tese. Obviamente que nem toda a gente terá os mesmos gostos, confesso que também não foram das melhores prosas que li. Mas pessoalmente fiquei tão imersa nas ideias e significado político que a prosa não meu causou qualquer "pó", desculpa a expressão.
Mas compreendo que nem toda a gente faça o mesmo e que nem toda a gente consiga gostar da prosa de Orwell. Todos somos diferentes. O importante é que leste, compreendeste e fundaste uma opinião consciente. Não sei se te acontece muito, mas tive diversas situações em que estive rodeada por "snobs" literários (aqueles que se acham mais que os outros porque sabem de cor as palavras estranhas do dicionário e porque só lêem os Bukowskis da vida) que insistem que ou gostas daquelas obras consideradas grandes clássicos literários ou és burra/ignorante/parva. Eu não concordo. Pessoalmente, A Metamorfose, de Franz Kafka, foi uma perda de tempo. Não me cativou. Mas isso não significa que não tenha o direito de não gostar da obra só por ser um clássico. E tu também podes não gostar de 1984 - claro que me custa porque, na minha perspectiva, é um dos melhores livros EVER; mas o que combina para mim, não combina para os outros, logo nunca temas de ser honesta na tua opinião :)
slayra disse…
Olá!

Obrigada por comentares.

Não foi bem não gostar; aliás, gostei a um nível teórico e ideológico, é um livro bastante interessante.

O que me surpreendeu a mim é que Orwell tenha de facto tentado escrever este livro como obra de ficção, em vez de escrever uma tese. Acho que aí o livro falha, porque não tem o poder (ou pelo menos não teve para mim), de puxar o leitor, de o fazer viver a realidade do livro, como deve fazer uma boa obra de ficção. Já li outras obras de Orwell e não fiquei com esta sensação, aliás, gostei bastante. Mas este livro... não sei, não se enquadra naquilo que o autor quis fazer dele.

É apenas isso.

De qualquer modo, concordo plenamente, gostar ou não de um livro é inteiramente subjetivo. Assim sendo, nem me surpreende que as pessoas não gostem de livros que eu adorei. Afinal, tudo é subjetivo, até os critérios que classificam um livro como "clássico". Não é possível medir cientificamente a "classicidade" de uma obra, pelo que acho que cada um gosta do que gosta. Enfim, realmente quem mede livros pelo que outros dizem deles (como os snobs literários) devem fazer da leitura uma grandessíssima tarefa e não o prazer que deve ser. Mas cada um... certo? xD